Das práticas sustentáveis aos geradores de backup movidos a hidrogênio, dos chips programáveis aos data centers na Lua, impacto é o novo nome do jogo
A demanda progressiva por dados vem impulsionando uma espetacular expansão dos data centers em todo o mundo. A emergência da covid-19 foi o evento mais disruptivo no setor em muitos anos. A pandemia acelerou a adoção em massa do trabalho e ensino remotos, aumentando rapidamente a necessidade de mais computação em nuvem, acesso rápido à informação, videoconferências e serviços de streaming.
O volume anual de dados criados, capturados, copiados e consumidos globalmente saltou de 41 zettabytes (ZB) em 2019 para 79 ZB em 2021. Mas isso é só o início da escalada prevista para os próximos anos. A IDC (International Data Corporation) calcula que a criação e replicação de dados no planeta crescerá 23% ao ano no período de 2020 a 2025, quando o volume deve ultrapassar os 180 ZB.
Devido a essa imensa quantidade de informação, a infraestrutura de data centers precisará se adaptar para atender as necessidades crescentes de empresas e pessoas. O aumento da demanda será impulsionado pela proliferação de dispositivos IoT (internet das coisas), aplicações com uso intenso de banda larga, análise de big data, expansão da Web3 e novas plataformas focadas no metaverso.
Mas como o setor está se preparando?
Nos últimos anos, gigantes da tecnologia que também são grandes fornecedores de serviços em nuvem (Amazon, Meta, Google, Microsoft, IBM, Alibaba, Tencent etc.) foram apelidadas de “hyperscalers” por causa da sua capacidade de expandir rapidamente o armazenamento e processamento de informação por meio de data centers de hiperescala —imensas instalações com dezenas de milhares de servidores e arquitetura de sistema que permite aumentar ou diminuir a escala das operações, a depender da demanda do tráfego de dados.
A solução da hiperescala, já chamada de “o futuro dos data centers”, ajudou a moldar a internet atual e hábitos hoje enraizados em nossas vidas online, como o e-commerce e as redes sociais. E os data centers gigantes continuam a ser um dos principais fatores de crescimento da indústria — 2022 começou com 728 data centers de hiperescala em operação no mundo e mais de 300 novos previstos, segundo o Synergy Research Group.
Essa expansão, porém, tem sérias implicações. À medida que o número de data centers cresce e são implantados modelos de computação de alto desempenho (HPC), aumenta seu impacto ambiental em termos de alto consumo de energia, emissões de gases do efeito estufa e riscos para a biodiversidade. As mais recentes estimativas apontam que os data centers já consomem cerca de 3% da eletricidade global e representam de 2,5% a 3,7% do total de emissões de CO2, superando toda a aviação comercial ou a navegação.
Novas tecnologias precisam ser adotadas de forma massiva para que os data centers tenham impacto ambiental reduzido e sejam ao mesmo tempo mais dinâmicos, confiáveis, energeticamente eficientes e seguros. Mas quais são as rotas mais mencionadas atualmente para acelerar a evolução tecnológica dos data centers de maneira sustentável?
Mais de dez anos depois de terem começado a ser desenvolvidos, os chips RISC-V (pronuncia-se “risk-five” em referência à quinta geração da arquitetura RISC) finalmente parecem prontos para se tornarem uma opção não só viável, mas necessária para os data centers. Além de ter código aberto e poder ser programado para fins específicos, como a computação de alto desempenho, um microprocessador RISC-V consegue operar em velocidades muito superiores e consome bem menos energia do que os chips de servidor mais usados hoje, do tipo CISC. O RISC-V já é amplamente aplicado em dispositivos IoT e bluetooth, mas a adesão da Intel à comunidade RISC-V no início de 2022 para ajudar a desenvolver soluções para a adoção mais ampla do chip não deixa dúvidas sobre o seu papel no futuro próximo.
A pandemia diminuiu dramaticamente o número de funcionários nos data centers. Mais do que nunca, o trabalho agora é online. Neste cenário, soluções de robótica para instalar servidores, corrigir falhas e gerenciar as operações serão cada vez mais necessárias. A inteligência artificial (IA) e a automação robótica de processos (RPA) já começaram a fazer a diferença. Sistemas automatizados significam também melhor proteção contra ataques. Eles inspecionam e registram todo o tráfego nas redes, ajudando a prevenir e impedir vazamentos de dados. Maior automação é maior segurança.
Os data centers de hiperescala centralizados têm enorme capacidade de armazenamento e processamento, mas são um obstáculo para aplicações que exigem latência reduzida, como IA, jogos online, internet das coisas, conexões 5G e os diversos níveis de direção autônoma. A computação de borda, que significa a instalação de micro data centers ou data centers móveis mais próximos de onde os dados são requisitados, será mais e mais expandida. A arquitetura inteligente das redes é crucial não só para as latências menores, mas também para diminuir a dependência dos data centers centralizados, alcançar maior eficiência energética, segurança e privacidade.
Grandes provedores de serviços em nuvem parecem mais comprometidos com metas e práticas sustentáveis, como o uso de energias renováveis. Hyperscalers como o Google, Meta, Microsoft e Amazon têm levado cada vez mais data centers para a Escandinávia e a Islândia, pois regiões mais frias requerem menos recursos para resfriar os servidores. Mas isso não basta para tornar um data center “verde”. A verdadeira sustentabilidade depende da adoção de práticas da economia circular a fim de atingir a neutralidade climática até 2030, como grandes empresas já se comprometeram na União Europeia. O setor é um grande produtor de lixo eletrônico e os sistemas de resfriamento líquido, que permitem a redução do consumo de energia em comparação ao resfriamento mecânico a ar, podem por outro lado aumentar muito o uso de água. Técnicas de resfriamento passivo, com o uso de dissipadores de calor, são ainda mais promissoras.
Os tópicos acima já estão moldando o futuro dos data centers, mas precisamos olhar mais adiante. A indústria já começou a dar passos mais avançados com tecnologias emergentes, projetos visionários e decisões estratégicas para levar os data centers à fronteira da inovação e até mesmo da exploração espacial.
Os próximos passos abrangem, por exemplo, o uso de células de combustível a hidrogênio para substituir o diesel tradicionalmente usado nos geradores de backup. Para que os data centers funcionem sem interrupção durante quedas de energia, eles contam com baterias que alimentam as instalações temporariamente, mas mesmo as baterias mais potentes só conseguem manter um grande data center funcionando por algumas horas —data centers precisam de muita, muita eletricidade. Então os geradores de backup são acionados. O diesel ainda é o combustível da maior parte desses geradores, emitindo grande quantidade de poluentes e gases do efeito estufa.
As células de combustível a hidrogênio liberam calor e água em vez de poluição. Por isso, podem ser uma alternativa para enfrentar a crise climática. Já existem veículos movidos a hidrogênio, mas até recentemente nenhum sistema potente o suficiente para abastecer um grande data center havia sido desenvolvido.
Isso começou a mudar depois que a Microsoft anunciou em julho de 2022 que testou com sucesso um sistema de três megawatts que pode alimentar cerca de 10.000 servidores —o protótipo usou o chamado “hidrogênio azul”, feito com gás natural, mas no futuro a Microsoft pretende usar apenas “hidrogênio verde”, obtido de fontes de energia renováveis.
Outros avanços estão acontecendo no campo da fotônica de silício, uma tecnologia que explora o potencial dos fótons (os componentes da luz) no lugar da corrente elétrica para transmitir dados. Os fótons são usados há meio século para enviar dados por fibra óptica entre longas distâncias na velocidade da luz, mas é um desafio fazer isso funcionar em distâncias muito pequenas dentro de microprocessadores. Também é uma tarefa complexa combinar microcomponentes que permitem controlar os fótons e traduzi-los em dados na escala de um chip.
No entanto, soluções para esse gargalo da engenharia já estão sendo produzidas e atraindo atenção. Na prática, chips ópticos de baixo custo podem ser uma revolução para os data centers, permitindo o processamento de informações na velocidade da luz e com baixa produção de calor.
A evolução dos data centers obviamente depende de progresso tecnológico e muita pesquisa científica. No século 21, dois grandes desafios podem mover a humanidade na direção de enormes avanços nesses campos: combater a mudança climática e estabelecer uma nova fase da exploração do espaço.
A corrida espacial do século 20 trouxe inúmeros benefícios para a ciência e a tecnologia. Agora podemos colocar mais elementos nessa equação, unindo a pesquisa de ponta, a economia digital, a proteção de nossos mais valiosos dados e a necessidade de diminuir o impacto dos data centers na biosfera da Terra.
A primeira iniciativa com essa ambição está sendo desenvolvida pela Lonestar, uma startup do portfólio da 2Future. A empresa tem como objetivo instalar data centers na Lua para fornecer serviços de dados e comunicações a partir do satélite natural da Terra. Algumas das inúmeras vantagens e aplicações de data centers lunares são:
A Lonestar tem parcerias com a Skycorp e a Intuitive Machines, selecionada pela NASA para fazer o primeiro pouso robótico comercial na Lua. O lançamento está previsto para dezembro de 2022. É quando serão enviados para a superfície lunar os primeiros equipamentos do protótipo de data center da Lonestar —um servidor com processadores RISC-V e um módulo de armazenamento do tamanho de um livro. O sistema será alimentado por energia solar.
Para suportar a grande variação de temperatura na Lua, a Lonestar planeja que robôs instalem os data centers em buracos de lava antiga, onde a temperatura é estável e o servidor fica mais protegido da radiação cósmica. O projeto inteiro tem um longo caminho pela frente, mas mostra que também para os data centers o espaço é a próxima fronteira.