A revolução do metaverso e da Web3 coloca sobre a mesa novos conceitos e paradigmas que vão governar os mundos virtuais. Nós identificamos as que mais impactam os usuários
Ao planejar um novo produto, seja um bem de consumo ou um serviço, qualquer equipe de design precisa partir de um conceito. Como todo bom designer sabe, um conceito é a ideia básica que explica o projeto inteiro, por que ele existe e para que serve. Ter esse primeiro passo claro e definido ajuda projetistas e desenvolvedores a permanecerem no caminho desejado durante todo o processo criativo, assegurando que o produto final traga aos usuários o valor esperado. Em suma, o conceito é a “alma” do projeto.
Na jornada para construir a internet do futuro, um processo complexo e gradual, o produto máximo é o metaverso: o conjunto de ambientes virtuais imersivos interconectados que incorporam as realidades virtual e aumentada. Mas quais conceitos estão orientando o desenvolvimento desse novo universo virtual multidimensional?
Mark Zuckerberg, o CEO da Meta, anunciou há cerca de um ano a reorientação da estratégia do Facebook porque acredita que o metaverso é o “sucessor da internet móvel”, a tecnologia que mudou nossas vidas permitindo ficarmos online em qualquer lugar. Zuckerberg prevê que o metaverso terá impacto semelhante.
permitindo ficarmos online em qualquer lugar. Zuckerberg prevê que o metaverso terá impacto semelhante. Por isso, a Meta se posicionou a favor de um metaverso aberto e interoperável, o que requer uma rede de padrões e normas para possibilitar a interconexão de diferentes plataformas. Junto com a Microsoft e dezenas de organizações, a empresa é uma das fundadoras do Metaverse Standards Forum, um espaço para discutir e estimular a criação de protocolos abertos para os futuros mundos 3D imersivos.
Especialistas em internet, construtores de novas plataformas e filósofos da tecnologia estão há algum tempo tentando delinear os princípios centrais de um metaverso ideal, e como eles se cruzam com os da Web3 ou Web 3.0 (a nova versão da web, com arquitetura baseada em blockchain). Embora os termos possam variar, os conceitos geralmente partem do que podemos chamar de requisitos para um metaverso “real”. Todos aparecem em livros recentes que se definem como guias essenciais para a nova revolução digital, como:
- Navigating the Metaverse: A Guide to Limitless Possibilities in a Web 3.0 World, de Cathy Hackl, Dirk Lueth e Tommaso Di Bartolo;
- The Metaverse Handbook: Innovating for the Internet's Next Tectonic Shift, de Quharrison Terry e Scott Keeney;
- Step into the Metaverse: How the Immersive Internet Will Unlock a Trillion-Dollar Social Economy, de Mark van Rijmenam;
- The Metaverse: And How It Will Revolutionize Everything, de Matthew Ball.
Segundo os autores, na lista de premissas essenciais para o metaverso estão:
É o princípio mais amplo que deve reger a arquitetura do metaverso e uma implicação da Web3. Em termos práticos, significa que os espaços virtuais não devem ser operados por algumas poucas plataformas centralizadas, que determinam as regras do jogo e acabam intermediando todas as relações entre as pessoas. A tecnologia blockchain permite trocas diretas, transparentes e seguras. Também torna diversas aplicações do universo virtual mais acessíveis e representativas dos usuários em geral. Isso já é uma realidade com os criptoativos, que oferecem maior democratização das operações financeiras sem a intermediação de bancos, por exemplo.
É o tipo de identidade digital pela qual seus detentores controlam e podem gerenciar todos os seus dados, desde informações pessoais ao histórico de relações com outros usuários, empresas e bens virtuais. Por meio da criptografia da Web3, no metaverso as pessoas devem poder se autenticar sem depender de intermediários. Isso é possível porque a identidade digital autossoberana é descentralizada: são diversas credenciais eletrônicas emitidas por vários agentes que operam redes blockchain.
Nos mundos virtuais dos videogames de hoje, jogadores têm à disposição inúmeros itens à venda, como “skins”, ferramentas e outros bens digitais. Mas quem compra um desses produtos só pode usá-los dentro do jogo. O acesso aos itens em jogos ou espaços virtuais diferentes é impossível. Existem desafios tecnológicos e questões como a pertinência de certos itens em determinados ambientes, mas o metaverso precisa garantir que quando você compra algo, aquilo te pertence. Você pode vender, trocar ou transportar para onde for. Como no mundo real, a dinâmica das relações entre pessoas e instituições é consequência da liberdade de escolha.
É a capacidade de composição, ou seja, de utilizar e combinar componentes do sistema. Para ter uma ideia concreta de como isso funciona, imagine um brinquedo montado com peças de Lego. Cada componente pode ser reutilizado de inúmeras maneiras para criar coisas novas, o que significa empoderar pessoas criativas. Para atender o princípio da composibilidade, um metaverso ideal precisa ser construído com padrões técnicos que permitam as composições também entre os mundos virtuais.
Este é um requisito necessário para permitir as composições generalizadas. Códigos disponíveis ao público e passíveis de modificação também impulsionam a inovação e facilitam a correção de problemas com algoritmos e protocolos, por exemplo. Quanto mais transparência, mais diverso e confiável será o metaverso.
Para alcançar seu verdadeiro potencial, o metaverso deve assegurar que participantes de comunidades virtuais tenham voz. Quando a gestão dos sistemas leva em conta a proporção do envolvimento de seus membros, abrimos o caminho para a real colaboração. A governança comunitária reflete a diversidade de partes interessadas nas plataformas (desenvolvedores, investidores, usuários etc.). Graças ao blockchain, ela pode ser coordenada por meio de tokens. Uma ideia é criar ativos de governança proporcionais.
O metaverso vai incorporar as realidades virtual e aumentada (VR/AR), mas não deve ser definido por elas. Novos dispositivos, como headsets de VR e óculos de AR, são plataformas imersivas de conexão —mas não são a imersão em si. Para ser verdadeiramente imersivo, o que o metaverso precisa é de interações autênticas, como acontece em conversas no mundo real. Existem diversas interfaces possíveis para criar experiências de imersão por meio somente da audição, sensação de tato ou —por que não?— do olfato. Algumas dependem de novos avanços tecnológicos, mas quem pode negar que uma discussão no Discord já não é realmente imersiva? A imersão vem da experiência humana, não do hardware.
No fim das contas, alguns desses conceitos podem parecer pouco compreensíveis para usuários normais da web de hoje. Mas se forem reunidos, é possível estabelecer três regras básicas, ou novos paradigmas, sobre como o metaverso vai impactar a vida online:
As pessoas poderão carregar suas personas digitais onde forem, e isso significa um novo ativo. Para usar suas identidades com segurança, as pessoas vão precisar autenticá-las com agentes de criptografia.
A posse de um bem digital precisará se estender por todos os espaços virtuais, pois as pessoas não querem só usar o que compram no tempo em que estão conectadas a uma plataforma. Isso não é comprar, é alugar itens, e elas merecem ser donas do que adquirem. Além disso, desenvolvedores, investidores e usuários ativos vão priorizar construir plataformas que permitam formas de gestão coletiva.
Jogadores de games de sucesso de hoje ou usuários normais da internet já são mais atraídos pela possibilidade de vivenciar ou construir coisas em conjunto. Gamificar é um caminho, mas o crucial é oferecer interação real e experiências contextualizadas, mesmo com hardware simples.
Essas mudanças de paradigma inauguram um universo de oportunidades. O metaverso está sendo construído por muitas empresas e pessoas ao mesmo tempo, e a mudança será gradual. Há ainda muito espaço para inovação e construção de novos modelos de se relacionar. Pessoas e empresas estão descobrindo na prática como será o novo universo virtual.
Muitas questões centrais precisam ser resolvidas, como padrões técnicos compartilhados e decisões éticas —a descentralização e os códigos abertos enfrentam pressões de grandes atores na indústria. Para a sociedade, o que importa é que os mundos virtuais do futuro tenham condições de corrigir problemas da internet atual e sejam uma força para o bem, não apenas um novo produto.