Com o rápido crescimento da penetração da telefonia móvel nos países em desenvolvimento, os investimentos em sistemas de produção agrícola digital e sustentável prometem impulsionar o desenvolvimento econômico local para pequenos produtores marginalizados e com insegurança alimentar em todo o mundo, além de criar sistemas de produção de alimentos mais resistentes e eficientes
Os pequenos agricultores são o motor econômico dos meios de subsistência locais e uma fonte essencial de alimentos em muitos países. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 80% do meio bilhão de fazendas do mundo operam em menos de dois hectares de terra. Embora essas fazendas representem apenas 12% de todas as terras agrícolas, elas produzem um terço dos alimentos do mundo, incluindo cerca de 80% do total de alimentos produzidos na Ásia e na África Subsaariana.
De acordo com o último censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 76,8% das propriedades agrícolas do país são pequenas propriedades, ocupando 23% da área agrícola total e empregando 66,3% da força de trabalho agrícola. De acordo com o Ministério da Agricultura do Brasil, esses pequenos produtores são responsáveis por mais da metade da produção de leite do país, metade da produção de suínos e quase todo o feijão produzido no país (91%), para citar apenas parte produtiva. De fato, quando todas as atividades agrícolas são combinadas, as pequenas propriedades familiares do Brasil produzem mais de 70% dos alimentos consumidos no país.
Apesar de sua função fundamental na segurança alimentar, o setor sofre com a baixa produtividade agrícola persistente em todo o mundo. Os agricultores de semi-subsistência geralmente colhem apenas 30 a 50% do que deveriam produzir, e os pequenos agricultores familiares representam mais de dois terços da população pobre do mundo. Eles também estão particularmente expostos a choques provocados pelo clima e a mudanças fundamentais nas condições de cultivo.
Hoje, com o rápido crescimento da penetração da telefonia móvel no mundo em desenvolvimento (variando de 50 a 95%), há uma oportunidade única de implantar novas tecnologias e inovações digitais emergentes para melhorar a segurança alimentar e aumentar a produtividade e a subsistência de 100 milhões de pequenos agricultores até 2030, de acordo com a ONU. Além disso, as novas tecnologias de conectividade via satélite, como a Starlink - uma divisão da SpaceX de Elon Musk, com quase 4.000 satélites de baixa órbita alinhados no céu - trazem ainda mais comunicação e interconexão para pequenos agricultores e comunidades indígenas e tradicionais, mesmo na Amazônia e em outros cantos remotos do mundo. O aumento da conectividade pode estimular a adoção de tecnologias agrícolas inteligentes por uma população que há muito tempo tem sido excluída dos avanços na mecanização agrícola.
Essas tecnologias incluem sensores, automação, inteligência artificial (IA), visão computacional e serviços de extensão agrícola digital que podem fornecer aos agricultores conectados conhecimentos agrícolas de ponta e que aumentam a produtividade, melhorando também sua resiliência climática. Por exemplo, os pequenos agricultores precisam ter acesso a previsões meteorológicas precisas e confiáveis. As tecnologias digitais podem adaptar as previsões às necessidades dos agricultores e comunicar previsões probabilísticas de uma forma que os agricultores possam entendê-las, interpretá-las e incorporá-las facilmente a suas decisões.
Da mesma forma, as inovações digitais podem melhorar os vínculos dos agricultores com os mercados de insumos e produtos, e também com os serviços financeiros - por exemplo, facilitando os subsídios eletrônicos e o comércio eletrônico, eliminando intermediários e conectando os agricultores com fornecedores de crédito e outros serviços financeiros. Em termos de mitigação das mudanças climáticas, as tecnologias digitais também podem mobilizar os pequenos agricultores para usar a tecnologia de sensoriamento remoto para monitorar os resultados relacionados ao clima, como o sequestro de carbono, e inscrever digitalmente os agricultores em iniciativas de pagamento de crédito de carbono para ajudá-los a receber uma compensação pelos impactos climáticos de suas práticas agrícolas sustentáveis.
As grandes empresas de tecnologia já estão envolvidas nesse esforço. A Microsoft, por exemplo, lançou o Project FarmVibes, que visa levar conectividade a áreas remotas e rurais combinando uma série de tecnologias de ponta (como imagens de satélite fora da nuvem (cloud-free), mapas de calor, dados de sensoriamento remoto, IA e visão computacional) para extrair inteligência de dados agrícolas e criar informações personalizadas sobre o microclima, solo, carbono e nutrientes da fazenda, entre outros.
Os gigantes agroquímicos também estão investindo em agricultura inteligente para pequenos agricultores. Na Ásia, a Plantix, especialista em reconhecimento de imagens, e a Syngenta se uniram para lançar um aplicativo agrícola, o Cropwise Grower, que estenderá o acesso a recursos agrícolas inteligentes a meio milhão de agricultores que cultivam culturas básicas, como algodão, arroz, milho e trigo. Usando IA, o aplicativo permitirá que os agricultores fotografem problemas específicos das culturas e diagnostiquem pragas e doenças em tempo real. O aplicativo, que promete 93% de precisão, já está disponível em nove idiomas na Índia e está sendo implementado no Paquistão, Indonésia, Tailândia e Bangladesh.
No Brasil, várias start-ups e ONGs, como a Culte e a Imaflora, estão trabalhando com pequenos agricultores, cooperativas e comunidades tradicionais para introduzir inovações como o uso de drones, sistemas de irrigação inteligentes, análise das condições do solo, automação e plataformas de comércio eletrônico ou marketplaces para facilitar a conexão dos atores na cadeia de produção, eliminando diferentes níveis de intermediação comercial, financeira e jurídica, e reduzindo o custo do produto final.
A China, que abriga um quinto da população mundial, também está investindo pesadamente em pesquisa científica, realizando experimentos em máquinas agrícolas não tripuladas, secagem de grãos, irrigação inteligente, drenagem de terras agrícolas e sistemas automáticos de alerta para detectar doenças nas plantações. Um projeto da Universidade de Jiangsu, por exemplo, mecanizou todo o processo de uma fazenda de arroz usando sensores remotos para dividir a fazenda inteira em 1.107 seções que foram codificadas digitalmente para rastrear o progresso e as condições básicas do solo para controlar com precisão a quantidade de fertilizantes e agroquímicos usados no campo. O país começou a aplicar tecnologias modernas, como sistemas de informações geográficas naturais (GIS), veículos não tripulados e dados de sensores remotos à produção agrícola para avaliar com precisão os impactos climáticos, aplicar fertilizantes de forma adequada e planejar o plantio futuro.
É claro que, apesar das oportunidades, a adoção generalizada dessa transformação agrícola ainda enfrenta desafios significativos. Poucas inovações digitais são explicitamente projetadas para países de baixa e média renda e pequenas propriedades rurais. E, embora as soluções digitais possam melhorar a vida de milhões de pessoas pobres da zona rural, existem barreiras fundamentais para a adoção. Por exemplo, a internet móvel ainda não está disponível para todos, com algumas das maiores lacunas na África Subsaariana e no Sul da Ásia. Além disso, será necessário alocar um investimento substancial para treinar e educar os agricultores no uso de novas tecnologias, aumentar a alfabetização digital nas áreas rurais, estabelecer infraestrutura para permitir o comércio eletrônico agrícola e tornar as plataformas digitais amigáveis para os pequenos agricultores.
Com a quantidade certa de investimentos estratégicos, a transformação digital da agricultura de pequeno porte pode resolver a necessidade urgente de aumentar a produção global de alimentos em 70% até 2050, aliviar a pobreza e a fome e alimentar uma população crescente que deve chegar a 9,4-10,2 bilhões até lá.